Entrevista de Sergio J. Valera com o José Luis Orihuela sobre jornalismo, mídias sociais, os impasses e o futuro da profissão, traduzida do site da Associação da Imprensa de Madri.
Para o jornalista José Luis Orihuela (Córdoba, Argentina, 1960), autor do blog eCuarderno, professor da Universidade de Navarra e popular tuiteiro (@jlori), as mídias têm que “centrar-se verdadeiramente em modelos de produto ao invés de se centrar em modelos de negócios”. Devem pensar na qualidade de seus conteúdos, sem cair “na tentação de substituir o critério jornalístico pelo da popularidade” e deixar de uma vez por todas de dar voltas em como “manter durante todo o tempo possível o modelo anterior”.
É necessário também, acrescenta Orihuela, que as mídias realizem “transformações radicais”, mediante as quais se desprendam de “tudo o que não seja atividade jornalística”.
O que os meios tradicionais precisam fazer para sobreviver à transformação do setor?
Primeiro, o meio tradicional tem que reconhecer a dificuldade que possui para se reinventar e fazer algo diferente ao que vinha fazendo. A constatação desta dificuldade é que a inovação mais interessante no âmbito da comunicação pública vem de fora, do entorno dos meios, como Google News, os blogs, Twitter… Em segundo lugar, evitar a tentação que estão tendo os meios tradicionais de tentar mascarar a crise para manter durante o máximo de tempo o modelo anterior.
Em seu último livro você oferece “80 chaves sobre o futuro do jornalismo”. Quais são as principais?
O debate acerca do futuro dos meios e do jornalismo está sequestrado pelo debate sobre os modelos de negócios. Estamos nos concentrando demais em como fazer para que sobrevivam os velhos meios. A primeira chave é centrar-se verdadeiramente em modelos de produtos no lugar dos modelos de negócio. Antes, as pessoas estavam dispostas a pagar por nosso produto, com um modelo de negócio baseado na publicidade, venda, assinatura, etc. Mas agora há uma multiplicidade de fontes de informação – muitas delas gratuitas e de grande qualidade – que operam como produtos substitutos dos meios. Precisamos perguntar se estamos dispostos a fazer com que nosso produto tenha qualidade suficiente para que alguém pague por ele.
A outra chave é separar o debate acerca do futuro do jornalismo como profissão e como função social do debate sobre o futuro das empresas de comunicação que temos até agora. Os meios devem assumir transformações radicais que tem muito a ver com a terceirização de todo o núcleo da atividade jornalística.
Qual é o perfil do jornalista mais demandado atualmente?
A abundância de informação é uma boa notícia para os comunicadores profissionais. Longe de pensar que não serão necessários. Quanto mais informação disponível, mais falta faz ter gente preparada profissionalmente para filtrá-la. Antes necessitávamos de profissionais que nos deram informação, agora necessitamos de informação sobre a informação: onde está a informação relevante, como se relaciona com outras informações interessantes, como posso recebê-la nos mais distintos formatos. Em todo caso, aos meus alunos eu não falo de perfis, mas eu os alerto, ao invés de pensarem em quem vai contratá-los, a pensar em como vão expor suas ideias empreendedoras para envolver seus colegas de classe.
Para um jornalista, qual a importância de criar uma marca pessoal?
Antes da revolução da internet, as marcas pessoais estavam reservadas para os colunistas de jornais, estrelas de rádio e apresentadores de televisão. Atualmente, cada vez é mais relevante que o jornalista assuma a construção de uma identidade desde o começo de sua formação. Toda a atividade digital deixa um rastro que se pode seguir. Quem sabe seu parceiro ou seu próprio chefe não rastreie. Quando aparecer uma oportunidade de trabalho, sua identidade profissional não vai ser contrastada com seu título, mas com sua atividade em seu blog ou em sua conta do Twitter. Trata-se de criar uma marca associada a um tipo de conteúdo e também a uma especialização. Agora, necessita-se de profissionais que, além de saber comunicar em todos os meios, dominem alguma temática concretamente. Essa é uma decisão estratégica que o estudante deve tomar durante a carreira: buscar uma especialização.
Cada vez mais as mídias são a soma das marcas individuais de seus jornalistas?
Um bom exemplo foi o modelo de Soitu, que foi inicialmente pensado como uma espécie de agregador de blogs. Era o atrativo de um meio que entendia a informação de uma maneira diferente, muito mais ligada ao prestígio das marcas pessoais dos colunistas. Todos os portais dos meios de comunicação – jornal, rádio, televisão – tem uma oferta de blogs, que em alguns casos é de centenas de títulos. Uma plataforma que inicialmente gerou suspeita na mídia tradicional, que atribuiu a ela uma série de qualificadores muito pouco dignos, como “jornalismo de pijama” e coisas desse estilo, acabou formando uma parte muito importante da oferta de mídia online.Os blogs são a voz mais próxima do público, de alguém concreto, de alguém que sabe e de alguém que sabe acerca de algo que me interessa. E no fenômeno da construção da marca pessoa, os blogs foram tão importantes, no final dos anos 90 e durante a década passada, agora o Twitter está sendo.
O que significa pra você um jornalista manter um blog próprio?
Um blog é um meio que tem um estilo, uma cultura e uma linguagem distintos da coluna. Desde o ponto de vista narrativo que gira em torno da conversação e dos links. Um blog é uma comunidade e significa proximidade com a audiência que não é necessariamente massiva, mas compartilha interesses.E, finalmente, um blog é uma grande ferramenta de construção de uma marca pessoa e um magnífico sítio para se tornar forte em um nicho.
Como as redes sociais podem ajudar aos jornalistas no exercício diário de sua profissão? E, em especial, o Twitter?
Twitter nos tem levado a outra dimensão da circulação global da informação, tanto na velocidade como na direção em que circula. O fenômeno do tempo real se converteu em algo absolutamente transversal a toda cultura através do Twitter. O Twitter é um espetacular sistema de alerta precoce que, se está bem sintonizado, resolve muitos problemas para os comunicadores. Nessa rede social, cada usuário governa a qualidade de sua experiência a partir das contas que segue. E mais, se decides publicar tuites – 47% dos usuários não faz isso e só usa o Twitter como um mecanismo de leitura – é uma plataforma magnífica para promover conteúdos publicados em outros suportes. Também é um magnífico ambiente de conversação para divulgar temas e proporcionar o acesso direto às fontes. O ditado popular da profissão era que um jornalista valia o que valia sua agenda. Hoje, sua agenda são suas redes sociais: ele vale na medida em que consegue articular redes suficientemente potentes e solventes para obter informação relevante.
Um dos últimos posts do seu blog tinha o título “Twitter e a banalização do jornalismo”. Muitas vezes as redes sociais incendeiam as manchetes dos jornais.
Os meios de comunicação têm exagerado no fenômeno do Twitter e suas tendências. Uma atitude, por outro lado, bastante habitual nos meios: focam em uma parte mais periférica de uma tecnologia até esgotá-la, declaram que está morta, como fizeram com os blogs e passam para a próxima tecnologia.
Segundo um estudo realizado em Chicago, os sites pequenos são os que mais dependem das mídias sociais para ter acesso. Os meios mais importantes acabaram dependendo também das redes sociais, blogs, etc. para gerar grandes audiências?
Qualquer webmaster de um meio espanhol te dirá que nestes sete anos, aproximadamente, o ritmo de crescimento do acesso obtido com as redes sociais não tem parado de crescer, especialmente desde a criação do Facebook e do Twitter. Nenhum meio de comunicação pode viver à margem das mídias sociais. Não podem viver alheios à conversação do conteúdo gerado pelos usuários e à voz da gente a quem dizem servir.
SEO (posicionamento web) e manchetes de jornais são conceitos compatíveis?
Devido às manobras do Google, o SEO está resultando cada vez mais em um terreno pantanoso e enigmático. Se o algoritmo do Google antes mudava a cada trimestre, aproximadamente, agora quase muda toda semana. Google tenta ser cada vez mais significativo para seus usuários. E creio que, cedo ou tarde, a incorporação do poder social sobre o sistema de filtragem de algoritmos será mais relevante. As métricas relacionadas com o tráfego e com o posicionamento estão reorientando-se de acordo com o que o usuário faz com a informação, com o “engajamento“. Não se avalia simplesmente a quantidade de seguidores ou de visitas de uma página web, mas sim o que as pessoas fazem com seu conteúdo: compartilhar, curtir, retuitar, favoritar…
Bem, essa é outra razão para pensar a qualidade dos conteúdos antes da busca indiscriminada de um maior número de acesso a qualquer preço na web.
Na medida em que tenhamos a tentação de substituir o critério jornalístico pelo critério da popularidade, estamos tirando pelas pontas aquilo que estamos falando: o conceito de qualidade do produto.
Parece que a Unidad Editorial, com o diário “Expansión”, e a Prisa cobrarão em breve por determinados conteúdos digitais. Você acredita que isso terá êxito na Espanha?
Depende de que tipo de conteúdo querem cobrar. Se há um substituto de qualidade equivalente que seja gratuito, esse substituto sempre vai ganhar. Eles têm que aumentar um nível de demanda sobre seus produtos que dificilmente possam ser substituídos por um gratuito.
Tradicionalmente – aí estão as experiências do “Wall Street Journal”, “The Economist” e “Financial Times” -, é possível cobrar quando o conteúdo informativo que recebe o usuário lhe permite gerar dinheiro. A informação financeira historicamente tem valor para os assinantes.
Para outros tipos de informação, o modelo que cada vez está mais claro é o “freemium”: uma ampla oferta de serviços e conteúdos abertos com os quais se engaja a audiência e se constrói um valor de marca e um hábito que financeiramente propicie ao usuário a pagar por ele. Esse é um modelo em que o meio não é invisível aos motores de busca e nas mídias sociais. Boa parte do conteúdo aberto, exceto, por exemplo, arquivo, documentos em PDF, conteúdo estendido de algumas entrevistas ou de reportagens, etc. são cobrados em uma taxa fixa de conteúdos “premium”.
Nós conversamos sobre transformações radicais nos meios que também são necessárias nas escolas de jornalismo, segundo escreveu recentemente Jeff Jarvis para o Nieman Lab. Você escreveu em seu blog sobre a necessidade de repensar o ensino. O que precisa mudar nas escolas de jornalismo?
A necessidade de uma mudança radical depende muito do ponto de partida de cada faculdade de Comunicação. Há algumas que se esforçam há muitos anos – mas de 50, como no caso da Faculdade de Navarra – para que uma parte da formação consista em que os alunos desenvolvam meios de comunicação na própria universidade, como tradicionalmente se tem feito nas universidades americanas. Uma questão prática como é a comunicação, não se pode resolver nem de um modo teórico nem de um modo técnico. A menos que se formem teóricos da comunicação incapazes de produzir mudanças no cenário real ou especialistas na utilização de um programa ou de distintos aparatos. O que necessitamos é de uma formação prática, na qual nós treinemos os estudantes para que sejam capazes de dirigir equipes de trabalho e tomar decisões sobre que informações se devem publicar, em que canais, etc.
O mercado de trabalho só absorve um em cada cinco licenciados em jornalismo. Fala-se que as faculdades de jornalismo são como fábrica de desempregados. O que se pode fazer para evitar isso?
Quando pensamos de uma perspectiva mais ampla que a dos meios tradicionais, vemos que muitos licenciados em jornalismo trabalham em empresas que não podem pensar em funcionar sem comunicação. Abriu-se um cenário que a universidade deve aproveitar: preparar os estudantes para gerir informação de maneira profissional, não necessariamente em um jornal, em uma rádio ou em uma televisão. Um jornalista é essencialmente um profissional que está capacitado para obter informação relevante, analisa-la, contextualizá-la, dar a ela uma nova roupagem e redistribuí-la pelos canais mais eficazes para que chegue a sua audiência.
Mas, então, você não acredita que existem faculdades de comunicação demais na Espanha?
É certo que tem acontecido uma inflação de faculdades de Comunicação que não corresponde ao mercado. Quando cheguei à Espanha, há 25 anos, havia quatro faculdades de Comunicação e agora são mais de 44. Nestes 25 anos, o mercado dos meios de comunicação tradicionais não tem crescido dessa forma. Infelizmente, em muitas universidades espanholas inauguram-se cursos de Comunicação por razão de prestígio e influência, sem nenhuma perspectiva séria acerca da empregabilidade do mercado profissional.